ISBN: 978-65-87289-23-6 | Redes sociais da ABA:
GT47: Igualdade Jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Apresentação Oral
Flávia de Freitas Cabral
Adolescentes em conflito com a lei: sujeitos de quais direitos?
O objetivo deste ensaio é analisar a lacuna existente entre a legislação brasileira, que conferiu o status de sujeito de direito a todas as crianças e adolescentes com base na doutrina de proteção integral, e a fundamentação utilizada pelos operadores de justiça nos processos de apuração de atos infracionais que resultaram no decreto de privação de liberdade dos adolescentes. A argumentação terá como base os dados coletados em pesquisa na Vara Regional de Atos Infracionais da Infância e da Juventude - VRAIIJ do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em relação às apreensões em flagrante que resultaram na internação provisória de adolescentes pela prática de atos infracionais no ano de 2018. Os dados apontam que no ano de 2018, foram apreendidos em flagrante 3.291 adolescentes no Distrito Federal, sendo que 1.591 tiveram a internação provisória decretada, o que corresponde a 48,34% do total. Os dados da VRAIIJ apontam que no ano de 2018, as apreensões de adolescentes as quais culminaram na decretação de internação provisória pelos atos infracionais análogos aos crimes de roubo e de tráfico de drogas foram de 55% e 18,4%, respectivamente. Em contraponto, os atos infracionais análogos aos crimes de homicídio e latrocínio corresponderam apenas a 4,7% e 4,5%, respectivamente. Observa-se, portanto, que a maior parte dos atos infracionais cometidos por adolescentes é constituída por roubo e tráfico de drogas, delitos que, em tese, não atentam contra a vida e, portanto, não deveriam ensejar no decreto de medida gravosa como a restrição de liberdade. Apesar disso, o judiciário ainda adota a privação de liberdade como decisão majoritária na solução de conflitos de jovens infratores. O livre convencimento motivado do juiz no processo decisório relativo às internações provisórias dos adolescentes acusados pela prática de atos infracionais possibilita aos magistrados a aplicação de medidas mais gravosas pela prática de atos simples, sob os argumentos de "garantia de segurança pessoal" e "manutenção da ordem pública" (ECA, art. 174). Mesmo que os atos infracionais mais cometidos pelos adolescentes não envolvam uso de violência física ou grave ameaça à vida, a decretação de internação provisória tem se mostrado uma prática comum nas decisões proferidas após as apreensões. Isso resulta no encarceramento de jovens pobres e negros cada vez mais notório no país e nos remete ao período do antigo Código de Menores, nas vezes em que o judiciário se utiliza do mecanismo de privação de liberdade "em nome de sua proteção, não de sua responsabilização".