GT47: Igualdade Jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Apresentação Oral
Caroline Dias Hilgert
A urgência da perícia antropológica na defesa criminal e no desencarceramento de pessoas indígenas
Este trabalho busca analisar os desafios da perícia antropológica em processos de criminalização e/ou prisão de pessoas indígenas frente o advento das Resoluções nº 287, de 25/06/2019, e nº 454, de 22/04/2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Contextualiza-se que o sistema de justiça criminal continua calcado no colonialismo, opera uma política assimilacionista corriqueiramente aplicando o superado critério integracionista para negar a identidade indígena e os direitos que dela decorrem. Isso decorre mesmo após a quebra da tutela orfanológica do Estado e as conquistas expressas na Constituição Federal de 1988, nos artigos 231 e 232, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, bem como, dos avanços dos conceitos antropológicos e reivindicações do movimento indígena. No âmbito judiciário criminal, a disputa argumentativa é latente, especialmente, sobre a dinâmica da cultura, a organização social, e autodeterminação dos povos indígenas, os atores judiciais em geral não assimilam tais conceitos para a compreensão da pessoa indígena acusada ou presa, porém, quando o fazem, através da utilização dos laudos antropológicos, nota-se efeitos inovadores no desfecho do caso. A nova Resolução 454/2022, do CNJ, recomenda expressamente que a perícia antropológica criminal não seja descartada com base em suposto grau de integração. Para além da perspectiva criminal, espera-se que, com essa resolução, os antropólogos sejam mais requisitados pelo Poder Judiciário para esclarecer contornos socioculturais como condição de garantia do acesso à justiça pelos povos indígenas. Por seu turno, a orientação dada pela Resolução 287/2019 tem sido acolhida em alguns processos criminais e em execuções penais, sendo inédita no campo criminal porque organiza legislações de direitos fundamentais da pessoa indígena acusada/presa e inaugura expressamente a possibilidade de realização de perícia antropológica para compreensão dos contornos socioculturais, em especial, sobre o entendimento da comunidade sobre os fatos e de formas próprias de resoluções de conflito. Frise-se que os dados sobre o encarceramento de pessoas indígenas no Brasil são subestimados, no entanto, segundo pesquisa via Lei de Acesso à Informação, realizada pelo Instituto das Irmãs da Santa Cruz e Conselho Indigenista Missionário, pelo menos 1038 pessoas indígenas estavam presas em 2021. No presente trabalho, a partir de dois casos concretos, analisarei as possibilidades e desafios da perícia antropológica em processos criminais e/ou de prisão envolvendo pessoas indígenas diante do discurso jurídico colonial criminalizante colonial vigente, visando contribuir com antropólogos requisitados pelo sistema criminal, com a autodeterminação dos povos e o desencarceramento.