GT47: Igualdade Jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Apresentação Oral
Mayara Ferreira Mattos
Quem pode investigar e produzir verdades sobre as mortes decorrentes da intervenção policial? Conflitos de competência investigativa e letalidade policial racializada em Minas Gerais.
A polícia militar mineira considera a investigação das mortes praticadas por seus agentes contra civis como de sua competência, sendo as mesmas investigadas por meio de um IPM (Inquérito Policial Militar). Valendo-se dos Código Penal Militar (CPM) e Código de Processo Penal Militar (CPPM), a corporação instaura procedimentos investigativos próprios, até mesmo negando e dificultando os procedimentos investigativos operacionalizados pela Polícia Civil do estado, que fica condicionada às provas produzidas pela PMMG para produção do seu inquérito. Assim, essa disputa pela dimensão cartorial (produção burocrática da verdade e do registro) contraria tanto diretrizes internacionais quanto normativas e resoluções produzidas pelo Ministério Público de Minas Gerais que recomenda a investigação dos casos de letalidade policial por órgão ou entidade externa à qual pertencem os agentes envolvidos nos fatos. Esse conflito de competência gera uma "blindagem da polícia que mata" (FERREIRA, 2020), pois são os IPMs produzidos pela corporação que definem se o homicídio foi doloso ou culposo. Apenas os casos em que se constata o dolo seguirão para a Justiça Comum e talvez julgados pelo Tribunal do Júri. De acordo com a Nota Técnica 004/2014 elaborada pelo MPMG, a realização de investigações concomitantes e totalmente independentes por parte das polícias militar e civil gera prejuízo à apuração dos fatos e à coleta de provas. No relatório final "Letalidade e vitimização policial em Minas Gerais" produzidos pela Fundação João Pinheiro em cooperação técnica com o MPMG, foi sugerido que o IPM produzido tem por finalidade endossar a narrativa policial de legítima defesa por injusta agressão (excludente de ilicitude). Nesse sentido, a vida pregressa da vítima se sobrepõe a ação policial que ensejou a morte. Essa dimensão moral atravessa muitos agentes públicos envolvidos nesses processos e procedimentos, assim como parte da sociedade, orientada moralmente pela lógica racial do extermínio de sujeitos construídos historicamente como perigosos, violentos e indesejados, produzindo, consequentemente, sujeitos matáveis. Desse modo, o objetivo dessa proposta é refletir etnograficamente a partir de dispositivos legais e administrativos (tais como: leis, decretos, códigos penais, normativas e resoluções nacionais e internacionais) como esse conflito de competência "blinda" a PMMG em casos de jovens negros assassinados no Aglomerado da Serra/Belo Horizonte/MG. Para tal compreensão serão analisados dois casos ocorridos no território em questão, visando trazer ainda para o debate que apesar de não ser a polícia que mais mata no país, a PMMG produz uma matabilidade racial específica e singular definida por uma alta padronização jurídica dos seus atos e procedimentos.