ISBN: 978-65-87289-23-6 | Redes sociais da ABA:
GT13: Antropologia Digital: processos, dinâmicas, usos, contra-usos e contenciosos em redes socioténicas
Apresentação Oral
Wagner Guilherme Alves da Silva
Os vídeos e a doença: quando médicos se transformam em produtores de conteúdo.
A pandemia de Covi-19 no Brasil pôs em curso um amplo processo de acusações e disputa em torno de medicamentos sem comprovada eficácia científica apontados por empresários, médicos e autoridades do governo federal como possibilidade real de enfrentamento da crise. Neste trabalho, busco compreender as modalidades de compartilhamento e comunicação entre médicos defensores do Tratamento Precoce e o conteúdo produzido por eles no instagram. Em minha pesquisa em grupos de WhatsApp, percebi que os vídeos do reels e do IGTV, bem como as caixinhas de pergunta, eram centrais na apropriação da linguagem biomédica pelos defensores da medicação e na produção da pessoalidade do caso que re-situava o TPP como "verdadeiro" porque pessoalizado. Compartilhando o dia a dia do "combate à doença" e dando dicas sobre como manter a imunidade alta associados a "pedagogização" sobre o corpo e os remédios, esses profissionais colocaram em curs concepções de corpo, de saúde, mas também de boa prática médica, pessoalizada e preocupada com a pessoa e não com os números. A valorização da experiência clínica individual e a recusa dos pressupostos de saúde pública se conjuga a panicos morais e a necessidade de ação imediata em ordem de salvar vidas - nessa perspectiva, os remédios poderiam salvar a nação. Minha principal hipótese é de que o acesso a linguagem biomédica não apenas possibilitou um processo de justificação individual dos usos dos remédios, mas ainda, por meio do fenômeno descrito pela literatura como populismo médico, permitiu que comunidades morais pudessem ser construídas em torno dos remédios de seus defensores. Nesse processo, o corpo surge como metáfora da nação - o corpo biológico passa a ser modo de comunicação do corpo político, sempre reiterado em pequenas denúncias feitas pelos médicos sobre a "grande mídia", a "indústria farmacêutica" e a "indústria do medo".Reflito aqui sobre como o digital modula e reformula a própria prática médica e comunicação em medicina no momento em que médicos se tornam cada vez mais produtores de conteúdo.