ISBN: 978-65-87289-23-6 | Redes sociais da ABA:
GT10: Antropologia das Mobilidades
Apresentação Oral
Daniella Santos Alves
Uma visita nunca é só uma visita: hospitalidade, movimento e sociabilidade em uma Comunidade Quilombola
Esse texto é parte da minha tese de doutorado ainda em andamento, feita a partir de uma imersão etnográfica - presencial e remota - dentro de uma Comunidade Quilombola, localizada no Estado do Tocantins, a partir do ano de 2019. Os dados aqui apresentados são frutos de entrevistas semiestruturadas, observação participante e as anotações do diário de campo. O objetivo do trabalho é o de entender a dinâmica do movimento nas/das visitas entre os moradores e as pessoas de fora que circulam no quilombo. Viso mostrar tanto as conversas e os gestos que acontecem no espaço das casas, entre quem recebe e quem é recebido, mas também no espaço de caminho, no percurso daquele que desloca de um lugar ao outro. O interesse por investigar esse movimento se dá pelo destaque que a receptividade - o receber bem - tem para o grupo, e isso acontece por ao menos duas razões: a) honrar a ancestralidade da finada Vó Antônia que ensinou sempre a tratar bem e a dar o último; b) por entenderem que receber bem não só aproxima os distantes, mas permite vigiar e controlar o perigo especialmente de quem vem de fora. Logo, destratar alguém significa se não desonrar a Vó Antônia e ficar com a fama de pessoa ruim, mas também de uma vulnerabilidade diante dos interesses daqueles que ali adentram e dos que já circulam. Esse movimento que envolve afeto, controle e perigo se constrói no fluxo de pessoas nas/das residências, permitindo como mostrou (COMERFORD, 2003, 2014; CARNEIRO, 2010; DAINESE, 2011; 2016) toda uma sociabilidade dada pelas narrativas, vigilâncias e julgamentos feitos sobretudo no ato de visitar. Na Malhadinha, essa mobilidade se estende e se retrai em várias categorias com diferentes significados: visitar, ir ali, dar um recado, fazer bestagem, fazer a ronda, entrar e sair na casa de fulano ou fazer uma visitinha rápida. Pode ser feito a pé, de carro ou de moto; rápido ou devagar; com ou sem propósito; para vizinhar, pedir voto, por amizade ou alguma rusga, por brigas e/ou fuxicos. Busco mostrar a composição, o significado e a articulação dessas e outras categorias a partir das observações e narrativas de três figuras centrais: uma que pouco sai, mas se movimenta ao receber muitas pessoas, outra que pouco fica, muito anda e muito sabe ao fazer a sua ronda; e por fim de uma liderança da comunidade que ao mesmo tempo que recebe muitas pessoas precisa transitar para visitar os moradores e entender as suas demandas. É possível concluir que muito embora a receptividade seja um lugar comum às famílias quilombolas, ela se faz de distintas maneiras e é construída através dos julgamentos morais sobre o modo como o outro não só recebe, mas sobre como ele pensa e age ao circular e ao receber, mostrando que na Malhadinha uma visita nunca é só uma visita.