GT47: Igualdade Jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Apresentação Oral
Matilde Quiroga Castellano
Processos de vitimização em disputa: Analisando o lugar dos réus na judicialização da Violência contra a Mulher no Brasil
A partir do presente artigo pretende-se analisar os processos de vitimização que atravessam a judicialização da Violência de Gênero no contexto brasileiro. Esta proposta faz parte de reflexões mais amplas que estão sendo elaboradas durante a escrita da Tese de Doutorado em Antropologia Social da autora. Particularmente, o presente texto tem como objetivo analisar falas e narrativas dos réus e sua defesa, extraídas de processos de judicialização da violência contra a mulher. Trata-se principalmente de refletir em relação a como em busca da estabelecer uma verdade jurídica, esses sujeitos atravessam, vivenciam e disputam essa verdade movimentando o que se denomina processos de vitimização. O embasamento para tais reflexões está ancorado no trabalho de campo realizado durante o ano 2019, que foi contemplado pelo Projeto "Estudos da judicialização da "violência de gênero" e difusão de práticas alternativas numa perspectiva comparada entre Brasil e Argentina" (Chamada CNPq nº 22/2016), e que consistiu em etnografar mais de cem audiências que envolviam principalmente fatos tipificados na Lei Maria Da Penha (Lei 11.340/06) e na denominada Lei de Feminicídio (Lei 13.104/15), num Juizado Especial Criminal e da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em uma das áreas Metropolitanas de Santa Catarina, Brasil. A partir da presença em campo, participando e observando as audiências, foi possível identificar três eixos através dos quais os réus e aqueles que os defendem, disputam de maneira preponderante o lugar de vítima nos processos nos quais estão envolvidos. Assim, os três discursos principais que atravessam as falas dos réus e suas defesas se referem ao consumo problemático de substâncias, a questões ligadas à saúde mental do réu e, por último, situações em que a vítima aprece como alvo de críticas, situações principalmente baseadas em avaliações de papeis de gênero e códigos de honra. Estes discursos se misturam entre falas de réus que negam os fatos, seja parcial o totalmente, réus que os reinterpretam gerando novas versões e réus que admitem e se responsabilizam dos fatos que estão sendo denunciados. Nesse sentido, foi possível identificar momentos em que os réus no processo, através das arguições em sua defesa, podem pleitear o lugar de vítima, colocando em movimentação certas estratégias apresentadas frente a "agentes vitimadores", que convalidam ou não esses discursos que se desenvolvem numa "lógica do contraditório", própria do espaço jurídico local.