GT10: Antropologia das Mobilidades
Apresentação Oral
Daniele Ferreira
"Aqui é uma estação de trem": fazendo a vida a partir das casas de santo
Para definir o funcionamento de uma casa de santo, um dos meus interlocutores a comparou com uma estação de trem, referindo-se ao vai e vem de pessoas, seus conflitos e necessidades diárias. O trem como meio de transporte das massas trabalhadoras traz a dimensão vital da mobilidade. Uma estação é um lugar de encontro e despedida; de circulação não só de pessoas, mas de uma série de elementos imprescindíveis à vida. A figura do trem também remete ao aspecto onírico do sonho, da busca por uma vida melhor, dos projetos de futuro. O objetivo do trabalho é refletir sobre a configuração dos terreiros afro-brasileiros do Rio de Janeiro como lugares a partir dos quais pessoas e divindades fazem a vida. Os terreiros, também chamados casas de santo, equivalem aos templos religiosos dos cultos de matriz africana e ao local de moradia de divindades e de pessoas, sendo locais onde os integrantes da família de santo podem viver de forma permanente ou transitória. Ao longo da história republicana do Rio de Janeiro, o processo de re-territorialização dos terreiros acompanhou os fluxos de ocupação urbana da cidade pelas populações mais vulneráveis. As casas de santo que se concentravam nas áreas centrais tenderam a se dispersar em direção às regiões mais afastadas, seguindo a expansão das linhas férreas no subúrbio e na Baixada. Os membros das famílias de santo habitam as casas de candomblé de forma sazonal, de acordo com o calendário das obrigações rituais, períodos chamados de funções. Nessas ocasiões, as pessoas ficam "em função dos orixás", convivendo ao longo de vários dias para alimentá-los com oferendas sacrificiais e realizar suas cerimonias públicas. O calendário litúrgico relaciona o culto das divindades a determinadas épocas do ano. Porém, os terreiros estão voltados para a realização de muitas outras atividades de cunho econômico, social e recreativo, configurando cronogramas paralelos. Existe uma série de movimentações entre os habitantes dos terreiros. Pessoas são acolhidas em situações de crise ou recolhidas para cumprir preceitos; orixás são feitos (nascem) pelas mãos dos sacerdotes e se manifestam nas cerimônias; entidades chegam para dar recados e tratar das pessoas; clientes buscam e pagam por serviços espirituais; amigos e visitantes colaboram e participam de festas e eventos socioculturais; trabalhadores atuam na manutenção e nas obras de edificação e reforma. Logo, a casa de santo é um lugar estratégico a partir do qual se pode conseguir alimento, abrigo e proteção em momentos difíceis; apoio psicológico e tratamento de enfermidades; ajudas em formas de dinheiro, de cuidados e de trabalhos; contatos profissionais; prestígio entre a comunidade; pertencimento identitário e familiar; projetar a vida e construir suas próprias casas.