GT 006: Antropologia da morte: teorias de ritual
Apresentação Oral em GT
Aline Yuri Hasegawa
Um dia de sol para cultuar os antepassados: o Shokonsai como fator climático e identitário
Esta pesquisa trata de um ritual de culto aos ancestrais realizado no município de Álvares Machado-SP por descendentes de imigrantes japoneses. O Shokonsai, nativamente traduzido por "convite às almas", pode ser considerado a síntese de dois rituais: o hakamairi, que tem um caráter familiar e privado; e o O-bon, que é público e comunitário. O hakamairi pode ser traduzido como “visita a sepultura”. Em geral, familiares e amigos costumam praticá-lo a seus entes queridos que faleceram. Datas como aniversário de vida, aniversário de morte, ano novo, Finados e até mesmo dias de O-bon são consideradas importantes para a prática do ritual.
O O-bon, por sua vez, pode ser traduzido por festival das lanternas, e no contexto brasileiro é um evento organizado pelas associações de cultura japonesa, engajando suas lideranças e membros ativos. As associações de cultura japonesa são chamadas nativamente de kai会e, – neste contexto, a tradução deste termo seria associação, sociedade. Nos O-bons são convidadas personalidades “de fora” – membros e lideranças de outros kais, figuras públicas da localidade, alianças importantes para a comunidade local. Seguindo as datas das comemorações do O-bon no Japão, no Brasil também são realizados em julho ou agosto.
No caso do ritual realizado no município de Álvares Machado-SP, além das especificidades listadas acima, ainda há algumas características que o tornam peculiar com relação aos demais festivais de O-bon realizados no Brasil. Neste local, a festa é realizada em um clube de campo da associação, onde fica localizado seu cemitério étnico. Neste cemitério, estão enterrados ancestrais de muitas lideranças e de membros ativos da comunidade atual. As festividades ocorrem durante o dia, iniciando-se com uma missa em homenagem à memória dos ancestrais e, no final do dia, há o espetáculo de acendimento de velas nos túmulos. Este cemitério étnico nikkei, cuja manutenção é de responsabilidade do kai local, é único no Brasil.
Neste contexto, funde-se ao sentido do hakamairi, o O-bon, e o festival recebe o nome de Shokonsai. Outro aspecto que compõe o ritual, além dos já mencionados, é a importância das condições climáticas. Diz-se que há 95 anos, durante a realização do evento, jamais choveu e ainda que, ao final do dia, no momento do acendimento das velas nos túmulos, os ventos cessam e as velas permanecem acesas até que a última se apague naturalmente. Só então os ventos retornam. O objetivo deste texto é apresentar os elementos filosóficos religiosos que embasam uma noção de morte que permita a conexão das práticas das pessoas (mortas e vivas) com as condições climáticas, ou seja, uma cosmologia em que morte, vida e natureza façam parte de um mesmo contínuo que se interconectam por meio das práticas fúnebres.