GT 023: Diálogos no campo da Antropologia da Alimentação: Comensalidade, Ética e Diversidade
Apresentação Oral em GT
Nadja Maria Gomes Murta, Herton Helder Rocha Pires João Victor Leite Dias
“O boi rende festa”– a carne de boi em uma festa religiosa católica na comunidade quilombola de Quartel do Indaiá, Vale do Jequitinhonha/MG.
As festas religiosas dedicadas aos santos católicos são eventos presentes na maioria das comunidades afrodescendentes do Vale do Jequitinhonha/MG. Este work discute o motivo pelo qual os moradores afirmam que o “boi rende festa”, ou seja, como se dá o consumo da carne de boi nos festejos dedicados aos seus santos padroeiros. O estudo foi realizado entre julho de 2014 a julho de 2015, e no método foi utilizado a observação participante. A Festa de Nossa Senhora das Mercês e de São Vicente de Paulo, é um evento que acontece anualmente durante o mês de julho, com duração de cinco dias, sendo o principal momento de encontro das 25 famílias da comunidade, de parentes que nela não mais residem, bem como das comunidades vizinhas. Os preparativos para a festa começam a partir do último dia do evento anterior, quando na missa dedicada aos santos padroeiros, são escolhidos os “festeiros” (um casal responsável pelo almoço comunitário, barraquinha, etc.) “mordomos” (moradores de ambos os sexos responsáveis pelo trajeto da procissão, feitio e levantamento dos mastros) e “juízes” (moradores de ambos os sexos, responsáveis pelos fogos). O boi que foi abatido para a festa de 2015 pesava 11 arrobas (cerca de 160 Kg de carne – considerando as “de primeira” e as “de segunda” que podem conter ossos). Foi observado que o consumo da carne e/ou preparações (caldos, farofa, churrasco, cozidos, etc.) dava-se em momentos específicos (antes, durante e após a festa). Para exemplificar, o fígado do boi foi consumido pelos jovens que o abateram, uma semana antes do início da festa, sendo considerada uma recompensa pelo work realizado. A festa teve início em uma quinta-feira e este dia foi dedicado a parte litúrgica, não havendo consumo da carne do boi. Na sexta-feira a barraquinha, que ocupa a área central da comunidade, começou a funcionar e as carnes de segunda eram vendidas em forma de caldo e distribuídas em forma de farofa aos mordomos. No sábado durante o dia houve distribuição do “caldo de osso” às crianças e aos que estavam trabalhando. À noite, o boi volta a aparecer na farofa distribuída a todos que participavam do levantamento dos mastros. No domingo parte das carnes de primeira foi consumida cozida, na casa dos festeiros - onde todos os que vão à festa ou a organizam almoçam, após a missa do último dia oficial da festa. Na segunda-feira, quando do desmonte da barraca, a carne foi consumida entre aqueles que trabalharam e às crianças na forma de fritura e churrasco. As últimas carnes do boi foram consumidas, no dia da descida dos mastros que encerra as festividades. Assim, pudemos observar que o boi rende toda a festa, estando associado à economia, a fluidez entre o consumo e os ritos, a sociabilidade e a manutenção da cultura local.