GT 023: Diálogos no campo da Antropologia da Alimentação: Comensalidade, Ética e Diversidade
Apresentação Oral em GT
Virgínia Campos Machado, Nadja Maria Gomes Murta Maria Helena Villas Boas Concone
O uso de alimentos regionais nas práticas alimentares de uma comunidade remanescente de quilombo do Alto Vale do Jequitinhonha/Minas Gerais
A investigação sobre práticas alimentares em uma comunidade tradicional revela grande variedade de alimentos regionais ou não-convencionais cujo consumo se respalda no conhecimento ancestral. Este work discute práticas alimentares de uma comunidade rural remanescente de quilombo do Alto Vale do Jequitinhonha/MG. O estudo foi realizado entre os anos de 2009 e 2012 e, no método, foram utilizados a observação participante e entrevistas com membros da comunidade. Como alimentos não-convencionais mais consumidos foram identificados: castanha do indaiá (Atallea dúbia), coroa de frade (Melocactos zehneri), ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), palma (Opuntia ficus), quiabo da lapa (Cipocereus sp.), samambaia do mato (Pteridium sp.), cereja do mato (Eugenia involucrata), amora do mato (Rubus urticaefolius), jatobá (Hymenaea rubriflora) e panã (Annona crassiflora). A maioria desses alimentos, a exceção do ora-pro-nóbis, são coletados, atividade que fica a cargo das mulheres e crianças da comunidade. O consumo se dá no núcleo familiar, sendo os alimentos consumidos in natura ou em preparações. A título de exemplo, destacamos o caso do jatobá. Nos meses de agosto e setembro as mulheres e crianças se dedicam a coletar os frutos caídos no chão, bem como aqueles considerados maduros que se encontram no pé. A extração do fruto é manual, sendo utilizada uma pedra para quebrá-lo. As crianças maiores o consomem, em geral logo após a colheita, batendo as sementes em um copo contendo água, de onde surge uma pasta (mingau de água). As mulheres são responsáveis pela extração da “farinha de jatobá” (produto obtido pela raspagem e peneiragem dos frutos) que é utilizado para preparação de mingau (feito com leite) e bolos. As receitas dessas preparações são consideradas heranças ancestrais, sendo que as idosas são tidas como as detentoras do “saber fazer”. Há de se destacar que o consumo de alguns dos alimentos citados não se restringe à comunidade quilombola estudada, alguns destes alimentos compõem pratos considerados “demarcadores identitários” da gastronomia regional, como por exemplo é o caso da “samambaia com costelinha de porco”. O uso sazonal destes alimentos contribui para a conservação e valorização da cultura alimentar da comunidade, bem como para a garantia da segurança alimentar e nutricional.