Redes sociais da ABA:
Logo da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia
3 a 6 de agosto de 2016
João Pessoa - PB
UFPB - Campus I
GT 023: Diálogos no campo da Antropologia da Alimentação: Comensalidade, Ética e Diversidade
Apresentação Oral em GT
Maria de Fátima Farias de Lima, Antônio Cristian Saraiva Paiva
O cru e o pasteurizado: incorporação alimentar e representações da desordem na produção queijeira de Jaguaribe-CE
Em Jaguaribe, no Ceará, novas formas de controle sobre a qualidade sanitária da produção queijeira têm obrigado produtores a abandonar o leite cru na feitura de seus queijos, prática considerada antiga e bastante disseminada. Tal modificação, revestida nos imperativos de uma lei estadual, prevê ainda a adoção do leite pasteurizado como estratégia de segurança alimentar e condição para o comércio interestadual dos queijos fabricados. Entre as alterações impostas pelas normativas em vigor, esta tem mobilizado particular resistência entre queijeiros, que consideram a pasteurização um procedimento oneroso, desnecessário e que compromete a qualidade gastronômica de seus produtos. Considerando esse cenário simbólico-produtivo, objetivo compreender como os termos “cru” e “pasteurizado” vêm sendo articulados por produtores jaguaribanos de queijo coalho, influenciando o modo como conduzem seu ofício e fundamentam suas preocupações alimentares. Resultante dos estudos realizados para minha tese de doutorado, este work se fundamenta em pesquisas conduzidas entre os meses de julho e dezembro de 2015, por meio de visitas regulares ao município citado. A metodologia desenvolvida inclui a observação das práticas e ambientes que constituem as queijarias, além de entrevistas compreensivas com proprietários e funcionários das mesmas. A análise das interpretações recolhidas ao longo da pesquisa de campo deu-se a partir do diálogo com a antropologia de três autores: Contreras e suas discussões sobre modernidade e alimentação; Poulain e sua teoria sobre o processo de incorporação alimentar; Balandier e seus estudos sobre a desordem. Sendo o alimento um consumo que não é banal, pois implica incorporação (torna-se o corpo do comedor), os modos de fabricação e comercialização de queijos negociam de forma direta com as percepções da desordem à mesa, evidenciada nas modernas tensões entre comida, corpo e saúde. Embora anunciada pelas normativas sanitárias como instrumento de regulação e ordenamento (ou padronização), na lógica dos produtores, a pasteurização encarna as inseguranças que permeiam o consumo de comida industrialmente processada, inspirando desconfiança e sentidos de impessoalidade cuja decorrência inclui um adensamento de angústias alimentares. Contrapondo-se à artificialidade presumida (e indesejada) do pasteurizado, o queijo de leite cru, preparado com técnicas consideradas tradicionais e familiares, (re)conhecidas, é apresentado como resposta ao desordenamento dos sentidos e certezas provocado pela cozinha industrial. Assim, o “cru” que qualifica o leite assume a aparentemente paradoxal condição de conceito indicativo de naturalidade, justificada aí sua “pureza” insuspeita, e de cultura, pois é eleito a marca que consagra o queijo como patrimônio regional.