GT 023: Diálogos no campo da Antropologia da Alimentação: Comensalidade, Ética e Diversidade
Apresentação Oral em GT
Juliana Lucinda Venturelli, Juliana Lucinda Venturelli Phellipe Marcel da Silva Esteves
Na estrada e nas enciclopédias, um encontro: (discurso sobre) a tradição alimentar numa região de Minas Gerais
A(s) culinária(s) de Minas Gerais, aclamada(s) (inter)nacionalmente pelo sabor e modo de fazer, tem sido estudada e levada a diversos espaços do saber como elemento cultural importante na definição das relações identitárias do povo mineiro, em sua formação étnico-cultural que tange a constituição de seu paladar, de seus gostos e sabores: um patrimônio material, no que diz respeito a seus ingredientes, e imaterial, quanto aos saberes e técnicas. Este work pretende, de modo multidisciplinar, abordar teórica e analiticamente (com os princípios teóricos da Análise do Discurso de Michel Pêcheux e da metodologia etnográfica) alguns aspectos dessa culinária, bem como discursos que historicamente se relacionam a ela.
Com base numa pesquisa (VENTURELLI, 2016) que trilhou, no reconhecimento de narrativas orais e cadernos de receitas, uma região do estado de MG recortada pela Estrada Real, apresentaremos de que modo as questões relativas à tradição alimentar mineira, à nutrição, à gastronomia, ao urbano e ao rural circulam nas práticas observadas. Também se debruçará sobre o discurso acerca da comida e da alimentação em enciclopédias (ESTEVES, 2014), no sentido de detectarmos como os dizeres das cozinheiras se encontram com o saber legitimado das enciclopédias.
Foram percorridos 11 municípios. Analisados 110 anos de publicação de enciclopédias. Numa etnografia das receitas culinárias presentes nas narrativas orais e nos cadernos e na verificação de como foram e são transmitidas desde o início do século XIX até o presente momento; como as novas gerações se relacionam com a cozinha dita “tradicional” mineira e se há presença de métodos tradicionais nos modos de fazer as receitas em detrimento das inovações tecnológicas, pôde-se observar uma prática de resistência cotidiana. Tomamos esses cozinheiros e cozinheiras não como pessoas, sujeitos empíricos, mas como posições discursivas heterogêneas que, em seus fazeres e dizeres cotidianos, vão alimentando um discurso que se perde nas publicações editoriais dos livros de receita, dos programas de TV, das enciclopédias. Algumas questões deste work, portanto, serão: quando se observa a culinária da Estrada Real de Minas Gerais, o que ela nos instiga a pensar? O que ela, a partir do seu território, provoca de efeito de sentidos aos outros, que estão de fora? Como pode ser interpretada diante da pluralidade de discursos sobre comida e alimentação que circulam hoje? Indo na contramão, numa certa manutenção tradicional tanto de ingredientes originários do seu território quanto de técnicas de cozimento, no fogão e no forno à lenha, como essas práticas podem ser compreendidas na sociedade contemporânea?