GT 023: Diálogos no campo da Antropologia da Alimentação: Comensalidade, Ética e Diversidade
Apresentação Oral em GT
Helisa Canfield de Castro, Helisa Canfield de Castro Maria Eunice Maciel
Entre laços, afetos e subjetividades: comensalidade em uma Cozinha Comunitária
Quando se procura entender o papel desempenhado pelos alimentos na vida das pessoas percebe-se que ele é não apenas uma fonte de nutrientes em resposta a estímulos fisiológicos. A comida e o comer possuem uma dimensão simbólica fortemente entrelaçada ao contexto social vivido. Assim a análise da comensalidade confunde-se com a observação do próprio contexto social em que se manifesta.
Um dos aspectos mais marcantes da sociabilidade humana é dado pela comensalidade. O Homem tem a tendência de comer junto, em grupo e ainda que não restrito à mesa, a comensalidade implica em comer com outras pessoas. Evoca-se assim princípios circunscritos a uma realidade específica: todos à mesa, num mesmo horário, com ritos precisos.
Ao percorrer o cotidiano de uma Cozinha Comunitária (CC) localizada em uma Unidade de Triagem e Compostagem de Resíduos (UTC) – popularmente conhecida como “lixão” - na periferia da cidade de Porto Alegre, concentramo-nos nas experiências alimentares compartilhadas pelos trabalhadores de reciclagem que frequentam diariamente este espaço.
Nesta comunicação, partindo da situação localizada e circunstanciada pela “hora do almoço”, buscamos explorar os laços de solidariedade e a dinâmica de comensalidade que marcam as relações no refeitório e que são estabelecidas pela comida em um contexto permeado por programas de Segurança Alimentar e Nutricional as quais repercutem na análise aqui proposta. O destaque conferido à refeição do almoço, como organizadora e mobilizadora de forças que orientam a vida em comunidade, serve para analisar o ritual de comensalidade em torno do qual se definem práticas, estilos, relações e subjetividades que se estabelecem somente a partir da intermediação entre a comida e os sujeitos que ali estão envolvidos.
Expressando-se como uma experiência que neutraliza as urgências ordinárias, colocando em suspensão os fins práticos da refeição, o momento do almoço na “cozinha da UTC” é marcado pela partilha e pela sociabilidade. Em torno das grandes mesas do refeitório as pessoas conversam, riem, choram, reclamam. Manifestam-se. Se bem que haja dias de menos euforia, a hora do almoço parece marcada por um ethos de festa, de franca diversão, com risos e comentários sobre algum fato trivial mas que dada a conjuntura se torna motivo de diversão.
É bem verdade que também se observam discussões, pequenos atritos por dividas, mau-humor, queixas sobre dores causadas pela rotina desgastante. Ainda sim são todas experiências sentadas à mesa evidenciando o quanto o momento das refeições é um mosaico de relações e interações e igualmente, uma forma de partilhar sensações e reforçar o pertencimento.